Diagonalzação de Matrizes

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4.5 Sistemas de Equações Diferenciais

Esta seção requer alguns conhecimentos de Cálculo 1. Seu objetivo é mostrar que, quando a matriz de um sistema de equações diferenciais lineares de primeira ordem é diagonalizável, então podemos expressar a solução geral desse sistema em termos dos autovalores e autovetores dessa matriz.

A modelagem de problemas na Física, na Engenharia, na Química e em outras áreas são freqüentemente expressos em termos de equações diferenciais. Embora o estudo das equações diferenciais seja uma disciplina à parte, nesta seção vamos estudar uma aplicação da diagonalização de matrizes na resolução de sistemas de equações diferenciais lineares.

Na Física, a posição de um ponto móvel ao longo de uma reta em um dado instante de tempo é dada por uma função horária . A variação instantânea da posição do móvel é chamada velocidade (instantânea) e, por sua vez, a variação instantânea da velocidade é chamada aceleração.

Por exemplo, se é a função horária de um móvel, então sua velocidade é , e sua aceleração é .

Se uma força variável age sobre o móvel em uma direção paralela à reta onde ele se move, então a Segunda Lei de Newton nos diz que

onde é a massa do ponto movel. Substituindo a aceleração, temos

.

Quando a força é conhecida, mas a função horária não, então a equação

pede por uma função que a torne verdadeira. Nessa equação, a incógnita é uma função , e seus termos envolvem também as derivadas de até a segunda ordem. Por isso, a chamamos de equação diferencial de segunda ordem.

Exemplo 1. Digamos que a força seja , o móvel pese , esteja na origem e com velocidade no instante . Nesse caso, sua função horária é , pois, derivando essa expressão duas vezes, temos , ou seja, essa função é solução da equação diferencial. Pode-se mostrar que, com as condições impostas, essa solução é única.

Uma equação diferencial de ordem juntamente com um conjunto de condições para a função e suas derivadas até ordem constitui o que chamamos de Problema de Valor Inicial, ou PVI. Pode-se mostar que, se um PVI possui solução, então sua solução é única. O exemplo 1 é um PVI.

Exemplo 2. A Lei de Hooke estabelece que a força elástica de uma mola é proporcional à sua distensão , na direção oposta a esta. Se uma massa está presa a uma das extremidades de uma mola horizontal e pode se mover livremente, e a outra extremidade da mola está fixa, então , onde é a constante elastica da mola.

Por outro lado, é a única força atuando sobre o sistema, logo, pela Segunda Lei de Newton, , devemos ter . Portanto,

,

ou seja

.

Essa equação diferencial de segunda ordem descreve completamente o movimento da massa presa à mola e, se forem dadas condições iniciais, podemos encontrar a função horária da massa. Assim, suponhamos que seja a posição inicial e que a velocidade inicial da massa, o que nos dá o PVI:

.

Nesse caso, a função

é a função posição do móvel, conforme pode ser verificado substituindo e sua segunda derivada no PVI.

Sistemas de equações diferenciais lineares de primeira ordem

Nosso objetivo aqui não é fazermos uma revisão geral de equações diferenciais, mas apenas estudar o seguinte tipo de sistema de equações diferenciais lineares de primeira ordem:




cujas incógnitas são as funções deriváveis , e onde , , , .

Esse sistema pode ser escrito na forma matricial:

.

Definindo , e , podemos escrever esse sistema de maneira mais sucinta como,

.

Uma solução dessa equação é qualquer função vetorial que a torne verdadeira. É importante notarmos que é sempre uma solução, chamada solução trivial. Em geral essa equação possui uma infinidade de soluções, mas o PVI

possui uma única solução.

Exemplo 3. Resolva o sistema de equações diferenciais lineares de primeira ordem:

.

Solução: Temos , e . Todas estas equações são da forma , por isso vamos resolver esta equação mais geral.

A equação pergunta quais é a função cuja derivada é proporcional à própria função. A teoria das equações diferenciais nos diz que a solução geral dessa equação é da forma , onde é uma constante arbitrária.

Portanto, temos as soluções , e , onde são constantes arbitrárias. Se for desejado, podemos expressar essa solução geral na forma vetorial

.

Exemplo 4. Resolva o PVI , , onde a equação diferencial é a mesma do exemplo anterior.

Solução: Substituindo na solução geral do exemplo anterior, temos

,

logo deduzimos que . Portanto, a solução do PVI é

.

Um fato geral sobre os sistemas de equações diferenciais lineares de primeira ordem é dado pelo seguinte resultado da teoria das equações diferenciais.

Teorema 1. Seja uma matriz . Então o sistema de equações diferenciais possui um conjunto de soluções linearmente independentes

e toda solução se expressa (unicamente) como combinação dessas soluções fundamentais, i.é,

.

Exemplo 5. No exemplo 3, as soluções fundamentais são

,

pois

.

Fica a seu cargo verificar que essas soluções fundamentais são LI.

Tendo em vista o Teorema 1, um procecimento geral para resolver o sistema é encontar soluções linearmente independentes. O seguinte teorema nos dá uma pista sobre como encontrar essas soluções:

Teorema 2. Se é um autovalor de e é um autovetor associado ao autovalor , então é uma solução do sistema .

Demonstração: seja como no enunciado do teorema. Então, por um lado, temos

(pois é um escalar)

(pois ).

Mas, por outro lado, calculando a derivada de em relação a , temos

.

Portanto, temos , e concluímos que é solução da equação diferencial, como queríamos provar.

Exemplo 6. Encontre a solução geral do sistema

.

Solução: Tendo em vista o Teorema 2, vamos investigar a existência de soluções da forma onde é autovalor e é autovetor da matriz

.

O polinômio característico dessa matriz é

.

Portanto, os autovalores são e . O leitor poderá verificar facilmente que é autovetor associado ao autovalor e que é autovetor associado ao autovalor .

Concluímos que e são duas soluções para . No próximo teorema, vamos fornecer um argumento geral que dispensará testarmos se essas solução são ou não linearmente independentes. Por hora vamos assumir isso. Então, pelo Teorema 1, segue que essas são soluções fundamentais e sabemos que toda solução será combinação linear dessas duas. Portanto,

,

onde e são constantes arbitrárias, é a solução geral do sistema dado. Caso seja desejado, podemos expressar essa solução na sua forma escalar:

, .

Fica a cargo do leitor verificar que essas funções tornam as equações do sistema verdadeiras.

Teorema 3. Seja uma matriz quadrada , e sejam autovalores (não necessariamente distintos) de . Se são autovetores linearmente independentes de associados a cada um desses respectivos autovalores, então

,

são soluções linearmente independentes do sistema .

Demonstração: Em virtude do Teorema 2, já sabemos que são soluções, bastando mostrar que são LI. Para isso, consideremos a equação

.

Substituindo as soluções nessa equação, temos

.

Essa equação deve ser válida para todo , então em particular deve ser válida para . Fazendo , obtemos

.

Mas, por hipótese, os autovetores são LI, logo a única solução possível para essa equação é a solução trivial . Isso mostra que a única solução para a equação

é a solução trivial, logo as soluções de também são LI. Isso completa a demonstração do teorema.

Como conseqüência imediata desse teorema e dos conhecimento sobre diagonalização da seção anterior, temos o seguinte resultado:

Teorema 4. Se a matriz é diagonalizável, então a solução geral do sistema de equações diferenciais lineares de primeira ordem é

,

onde são os autovetores linearmente independentes de associados aos respectivos autovalores (não necessariamente distintos) de .

Demonstração: Se é diagonalizável, então existe uma base de formada por autovetores de . Em particular, temos exatamente autovetores linearmente independentes de . Agora pode-se ver claramente que o resultado segue dos Teoremas 1 e 3.

O problema da mistura

Em uma indústria, dois tanques se encontram conectados conforme a ilustração abaixo.

Mistura Água

No instante de tempo , o Tanque 1 contém 10 litros de água pura e o Tanque 2 contém 20 litros de uma mistura de água com 12 Kg de sal. Água pura está sendo constantemente bombeada para dentro do Tanque 1 a uma taxa de 10 litros por minuto, as misturas salinas são trocadas entre os dois tanques como na figura acima, e a mistura escoa do Tanque 2 a uma taxa de 10 litros por minuto. Encontre a qualnidade de sal em cada tanque no instante de tempo .

Solução: Como a quantidade de líquido que entra em cada tanque é igual à quantidade que sai, o volume de mistura em cada tanque permanece constante. Então o Tanque 1 contém sempre 10 litros de mistura e o Tanque 2 contém sempre 20 litros de mistura. Agora sejam

quantidade de sal no Tanque 1 no instante

quantidade de sal no Tanque 2 no instante .

As taxas de variação instantânea da quantidade de sal em cada tanque são respectivamente

e .

Cada uma dessas taxas deve ser igual à diferença entre a taxa à qual o sal está entrando menos a taxa à qual o sal está saindo do respectivo tanque.

No Tanque 1, a taxa à qual o sal está entrando é igual a

,

enquanto que a taxa à qual o sal está saindo é igual a

.

Portanto,

.

No Tanque 2, a taxa à qual o sal está entrando é igual a

,

enquanto que a taxa à qual o sal está saindo é igual a

.

Portanto,